O segredo está na massa, dizem uns. A textura é que faz a diferença, asseguram outros. Bem, na verdade, a nós, convertidos a esta tradição, pouco nos importa onde está o segredo. Passamos horas a tricotá-la com os dentes e só paramos quando vimos o fundo ao saco, mas que inquieta, inquieta.
Foi por isso que decidimos avançar com uma investigação alimentada a bolachas Piedade em quantidades consideráveis. Entre um pacote e outro, percebemos alguns dos fatores que contribuíram para o sucesso deste doce. Ficámos também claramente esclarecidos em relação a um pertinente assunto: só podemos comprar uma caixinha de cada vez, e das pequenas! Quanto mais temos à mão, mais comemos!
As bolachas podem ser vendidas avulso (14€/kg) ou em caixas de 125 gramas (2,30€) e 250 gramas (4€). Os cinco dedos de uma mão chegam para revelar os segredos do sucesso desta tentação aos quadradinhos.
Foi em 1855 que a família Piedade inventou a receita. Passaram 165 anos e esta ainda é a bolacha de Setúbal.
No início, era feita em forno de lenha, depois de amassada à mão e antes de ser vendida nas ruas pelo miúdo do tabuleiro que espalhava o aroma a erva doce. Mas a Piedade é indissociável da Feira de Sant’Iago, não fosse a mais antiga presença no certame. Até 2003 só era vendida no evento. Os dias de feira eram aguardados por todos e as filas eram longas. Tornou-se uma raridade. Era exclusiva desses dias e isso ajudou a que se tornasse ainda mais apetecível. No entanto, nos últimos 16 anos, já é possível comprá-la o ano inteiro na Pastelaria Bolacha Piedade, na avenida Luísa Todi. Ali perto, no Troino, está a fábrica que perfuma toda a rua do Ligeiro.
Ir à Feira de Sant’Iago, comprar e comer a Bolacha Piedade tornou-se uma tradição. Para os sadinos, sim, mas também para alentejanos, algarvios e gente vinda de todo o país. Hoje a Pastelaria da Bolacha Piedade é o principal ponto de venda, mas a bolacha na feira tem outro sabor. Havia, e ainda há, quem aproveite o certame para se abastecer para o ano inteiro.
Feitas de forma artesanal, com aspeto irregular, duras e estaladiças, as bolachas Piedade têm um sabor inigualável. A erva doce, em contraste com o sal, dá-lhe um toque especial e que as torna viciantes. Não nos conseguimos decidir entre o salgado e o doce e vamos comendo para ir experimentando as diferentes sensações. Ora trincamos o sal, ora apanhamos um pedacinho de erva doce...
Arnaldo (na loja) e Paula Piedade Martins (na fábrica) estão hoje à frente da marca sadina. Continuam a guardar o segredo a sete chaves. Além da farinha, do açúcar, da gordura, do sal e da erva-doce, há ali mais qualquer coisa. Não nos dizem, mas garantem que a forma homogénea como se estende a massa e o cortar certo são fundamentais para o resultado final. Às vezes saem mais branquinhas, outras mais coradas. Nós não resistimos às fininhas e tostadas...
O tal segredo aguça o mistério em torno desta que é para muitos a melhor bolacha do mundo. Mas não pense que toda a família Piedade conhece a receita. Nada disso! Ela é do exclusivo conhecimento das mulheres. As coisas estão organizadas da mesma maneira há mais de século e meio e a sexta geração mantém a regra. As mulheres fazem, os homens vendem.
Agora vamos só ali à Luísa Todi buscar uma caixinha. É que acabámos a última!